História da Consciência Negra
Um feriado nacional para Zumbi dos Palmares
Por José Vicente, advogado, mestre em Administração e Marketing e doutorando em Educação pela UNIMEP e reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares e presidente da ONG Afrobras / Foto Divulgação em 07.01.2010
Em 1971, um grupo de negros no Rio Grande do Sul decidiu criar uma data para reverenciar Zumbi e o Quilombo dos Palmares. Tal iniciativa tinha um objetivo muito nobre e significativo: essa data passaria a ser uma referência para a luta do povo negro no Brasil, em substituição ao 13 de Maio, Dia da Abolição da Escravatura, assinada pela princesa Isabel em 1888. Começava ali todo um movimento para que mais uma injustiça histórica contra a população negra fosse corrigida.
Até então desprovidos de heróis, os negros brasileiros viam finalmente surgir, na figura de Zumbi dos Palmares, sua grande referência. A data escolhida era a da morte do líder palmarino, morto em 20 de novembro de 1695, durante combate para defender a República de Palmares.
Com isso, Oliveira Ferreira da Silveira, o principal idealizador da ideia, e os demais militantes gaúchos diziam textualmente o que todos os negros do país sentiam com relação à única data que fazia alusão aos negros no calendário: o 13 de maio não tinha maior significação para nós.
Na metade da década de 70 a data começou a ser comemorada em São Paulo e no Rio de Janeiro e, em 1978, a assembleia do Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial (MNUDR), realizada na Bahia, aprovou o 20 de novembro como dia oficial de celebração da comunidade negra brasileira.
Em 1995, o Rio de Janeiro foi a primeira cidade a decretar feriado oficial em homenagem a Zumbi dos Palmares. Isso representou, sem dúvida, uma vitória para o movimento negro e para todas as instituições que lutam pela eliminação da discriminação e das desigualdades no país.
De lá para cá, a luta dos negros na denúncia e combate à discriminação e ao preconceito racial e a colaboração destacada de organismos civis e governamentais na produção de informações, sensibilizações e ações inovadoras têm conformado uma nova visão de mundo e operado profunda e consistente transformação de crenças e valores na sociedade brasileira. Atualmente, várias capitais decretam feriado oficial ou ponto facultativo em alusão à data. Somente no Estado de São Paulo, 144 municípios comemoram o Dia da Consciência Negra como feriado, incluindo a capital. No Estado do Rio, o feriado vale em 91 municípios, incluindo a capital. Zumbi dos Palmares, líder da resistência negra por trezentos anos, tido como renegado, hoje está definitivamente no panteão dos heróis nacionais.
Construímos no país um ambiente de maturidade e aperfeiçoamento da sociedade e de suas instituições, consolidamos a democracia e estamos reconstruindo a economia. Sim, estamos criando uma nova história e descobrindo novos heróis, que merecem ser colocados em seu devido lugar e reconhecidos pela história oficial.
Diante desse cenário, acreditamos que, em breve, o feriado que hoje é municipal entre para a lista dos feriados oficiais nacionais. Afinal, Zumbi não é apenas um herói negro, ele é um herói legítimo do povo brasiliero.
Brasil assume a sua cara
Comentário sobre o Estatuto Racial
Escrevo esse artigo à luz de dois fatos recentes: a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial na Câmara dos Deputados e a divulgação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE.
Com relação ao primeiro dado, descontadas as perdas decorrentes de alterações no texto original, a aprovação do estatuto confirma, para os que ainda tinham dúvidas, que, de fato, a questão do racismo no Brasil é estrutural e dá suporte e legitima as ações que têm como objetivo combater esse problema. No que diz respeito à pesquisa, os dados que ela levanta apontam que aumentou no Brasil o número de pessoas que se declaram pardas. Juntando com o número daquelas que se dizem pretas, significa dizer que mais de 50% da população brasileira é autodeclarada negra.
A leitura conjunta dessas duas informações nos leva a refletir sobre a importância de uma campanha como essa “Pelo Fim do Racismo!”, promovida por CLAUDIA. O fato de que os brasileiros estão assumindo cada vez mais sua identidade negra poderia ser um indicativo de que o fim do racismo está muito próximo. No entanto, outros dados nos mostram que a caminhada ainda é longa e se faz mais urgente e fundamental à medida em que o país consegue se enxergar melhor e se percebe cada vez mais negro.
Só para ficarmos em um exemplo. Em agosto foi divulgado um levantamento no qual fica evidente que a desvantagem dos negros na sociedade brasileira ainda é absurda. O salário médio da mulher negra com emprego formal, por exemplo, é menos da metade do que o salário de um homem branco. De acordo com a Relação Anual de Informação Social (Rais), do Ministério do Trabalho, a mulher negra ganha, em média, R$ 790 e o salário do homem branco chega a R$ 1.671,00 - mais que o dobro. No número de empregos, a discriminação também é estampada pelos números. São 498.521 empregos formais de mulheres negras contra 7,6 milhões de mulheres brancas.
Como podemos perceber, o fosso é grande e vem de longa data. Vários fatores contribuíram e ainda contribuem para que ele aumente. A mídia é um deles.
A participação e visibilidade do negro na comunicação social são de fundamental importância, pois a imprensa formula e reproduz concepções def que causam impacto profundo no imaginário social. Logo, devem estar comprometidos com o acesso à interação, a integração e a expressão da totalidade da representação da identidade nacional e difusão das diferentes visões de mundo.
O maior espaço ocupado pelo negro nos veículos de comunicação sempre foi o de marginalizado e as questões relativas às ações práticas para que as desigualdades, sob a perspectiva racial, sejam extintas são, ainda hoje, alvo de campanhas contrárias na imprensa, como é o caso das cotas para estudantes negros nas universidades públicas e até a aprovação do próprio Estatuto da Igualdade Racial.
Portanto, quando uma revista com o porte e a importância de CLAUDIA assume uma campanha pelo fim do racismo, reunindo mulheres e homens negros importantes, isso nos convence ainda mais de que, apesar de longo, sabemos que estamos no caminho certo, que é o de conclamar os diversos setores da sociedade para que juntos possamos construir um país igualitário, onde a democracia se estabeleça por meio da igualdade de oportunidades para todos.
A revista elegeu a atriz Taís Araújo como musa dessa campanha. A escolha não poderia ter sido melhor. Esperamos que outras mulheres negras tão talentosas quanto a Taís tenham também seu espaço em capas de revistas como a CLAUDIA. Afinal, o Brasil está assumindo sua cara negra.
O que é ser negro no Brasil
O livro "Fala, Crioulo", organizado por Haroldo Costa, traz depoimentos de personalidades sobre preconceito, luta e orgulho. Confira aqui o depoimento de Zezé Motta.
ZEZÉ MOTTA
Atriz
Livro "Fala, Crioulo", (Ed. Record)
Nasci na usina de cana-de-açúcar Barcellos, em Campos de Goytacazes, interior do estado do Rio de Janeiro. Meus pais vieram para o Rio de Janeiro quando eu tinha uns três anos de idade.
Fui estudar no Asilo Espírita João Evangelista, um colégio kardecista onde a maioria das crianças era negra, como eu. Algumas mais escuras, outras mais claras, mas todas carentes. Algumas inspetoras eram intragáveis. Humilhavam a gente, se irritavam com facilidade, não tinham nenhum traquejo para tratar com crianças.
No ginásio da Cruzada de São Sebastião ganhei uma bolsa de estudos para fazer um curso de teatro no Tablado, da Maria Clara Machado, e um novo mundo se abriu diante de mim. Realmente foi um encontro com a minha vocação.
Ralei muito interpretando papéis dos quais eu discordava. No teatro e no cinema. Até que chegou o momento de Chica da Silva, convite do Cacá Dieges que eu aceitei correndo. O filme foi o divisor de águas na minha vida. O sucesso foi absoluto e a confusão também. Chica e Zezé passaram a ser uma só pessoa.
Foi por isso que, com a ajuda de Jacques d’Adesky, na época meu marido, e Michael Turner, diretor da Fundação Ford, e alguns amigos, fundei o CIDAN (Centro de Informação e Documentação do Artista Negro), um banco de dados com informações sobre atores negros, para municiar produções de televisão, teatro, cinema, publicidade etc. Está indo de vento em popa, e provando que, se derem chance, os talentos aparecem. A continuidade do trabalho é que dá experiência e capacitação.
Fonte - Revista Claudia
Nenhum comentário:
Postar um comentário