Em A MESA VOADORA , ele nos oferece um cardápio variado e irresistível: histórias sobre iguarias de dar água na boca e todos os preceitos para saboreá-las com propriedade.
Sim, Verissimo é especialista no assunto. Delicia-se com minestrones, carnes malpassadas, tortas sofisticadas e com aqueles momentos de extremo prazer, quando, por exemplo, a gema de um ovo frito desprende-se da clara e, viscosa, quente, se desmancha sobre os grãos de arroz.
A MESA VOADORA traz uma seleção de 47 crônicas recheadas com dicas bem-humoradas de quem transita com a mesma desenvoltura por sofisticados bistrôs de Paris ou pastelarias de beira de estrada. Com o domínio que tem sobre a "gastronomia" e suas variantes, o autor surpreende ao revelar que a única parte de qualquer receita de comida que o interessa é a última, aquela que começa depois do "leve à mesa". "Só entro em cozinha para abrir a geladeira", confessa o gourmet.
Mas para a nossa sorte, depois de comer tanto e tão bem, Verissimo ainda escreve, deliciosamente, sobre suas memórias gustativas. Em Às Sopas, por exemplo, ele faz uma verdadeira declaração de amor à iguaria e aponta as várias razões para reverenciarmos os minestrones, consomês e caldos: "(...) A sopa nos dá, como nenhum outro tipo de comida, a oportunidade de demonstrar nosso prazer à mesa. Os chineses, inclusive, consideram falta de educação tomar uma sopa em silêncio. Deve-se sorvê-la, ruidosamente, indicando para quem quiser ouvir, mesmo da rua, que ela está ótima e que a vida, tirando algumas passagens de extremo mau gosto, vale a pena ser saboreada (...)", observa o autor.
Já em O buffet, o humorista traça seu plano estratégico para desfrutar com propriedade o serviço de uma festa. E seguindo as preciosas dicas, o leitor vai estar saboreando o prato quente enquanto outros convidados, menos empreendedores , ainda nem chegaram perto dos tomates. Mas, alerta Verissimo: "Não se desmobilize, no entanto. Lembre-se de que ainda falta a batalha dos doces...".
Sentar à mesa em companhia desse mestre do humor é garantia de boa diversão! Bom -apetite!
Fonte - http://www.objetiva.com.br/livro_ficha.php?id=434
O come e não engorda
Ninguém
é mais admirado ou invejado do que o come e não engorda. Você o
conhece. É o que come o dobro do que nós comemos e tem metade da
circunferência e ainda se queixa:
- Não adianta. Não consigo engordar.
O
come e não engorda é meu ídolo. Só não lhe peço autógrafo por inibição.
Meu sonho é emagrecer e depois nunca mais engordar, por mais que tente.
Quando eu diminuir, quero ser um come e não engorda.
Não
se deve confundir o come e não engorda com o enfastiado. Este pertence a
outra espécie. Não é humano. Pode até ser melhor do que nós, um
aperfeiçoamento, mas não é humano. Afinal, o que une a humanidade é o
seu apetite comum. Não é por nada que partilhar da comida com o próximo
tem sido um símbolo de concórdia desde as primeiras cavernas. Até hoje
as conferências de paz se fazem em volta de uma mesa onde a comida, se
não está presente, está implícita. Desconfie do enfastiado. Ele será um
agente de outra galáxia ou um poço de perversões, ou as duas coisas. De
qualquer maneira, mantenha-o longe das crianças. Quando encontrar alguém
na frente de um prato cheio só emparelhando as ervilhas com a ponta da
faca, notifique os órgãos de segurança. É um enfastiado e pode ser
perigoso. Sempre achei que as pessoas que comem como um passarinho
deviam ser caçadas a bodoque. O seu fastio, inclusive, é um escárnio aos
que querem comer e não podem.
Já
o come e não engorda compartilha do nosso apetite, só não compartilha
das conseguências. Ele repete a massa e não tem remorso. Pede mais chantily e sua voz não treme. Molha o pão no café com leite! E ainda se queixa:
- Há 15 anos tenho o mesmo peso.
O
come e não engorda só parou de mamar no peito porque proibiram sua mãe
de ficar junto no quartel. Quando o come e não engorda nasceu, uma
estrela misteriosa apareceu no Guide Michelin de restaurantes para
aquele ano. O come e não engorda caminha sobre a sauce bernaise e não afunda. Multiplica os filés de paixe à meunière e
os pães de queijo. Por onde o come e não engorda passa, as ovelhas se
atiram para trás e pedem “me assa!”. O come e não engorda tem o segredo
da Vida e da Morte e, suspeita-se, o telefone da Bruna Lombardi. E ainda
se queixa:
- Tenho que tomar quatro milk-shakes entre as refeições. Dieta.
Dieta! E você ali, de olho arregalado."
O Buffet
Um dos martírios da vida social moderna é o buffet. Ele nasceu com boas intenções, como resposta à necessidade de alimentar da maneira mais prática o maior número de pessoas com o máximo de elegância possível. Isto é, sem que a festa pareça um rififi no refeitório. É difícil servir 300 ou 400 pessoas nas suas mesas e ao mesmo tempo, à francesa, a não ser que haja quase tantos garçons quanto convidados. A solução, já que a comida não pode ir às pessoas, e as pessoas irem à comida. Outra vantagem do buffet é que, com todos os pratos concentrados sobre uma única e bem ornamentada mesa, ele dá a correta impressão de abundância. Que é, afinal, o que nos leva a festas. Todo buffet é uma alegoria à fartura. Há cascatas de camarões, leitões esquartejados e remontados sobre pedestais de farofa, everestes de maionese, continentes de saladas e de frios. Uma vez, juro, vi um faisão empalhado no centro da mesa, na pose de quem se preparava para decolar deste insensato mundo. Só o que o mantinha na terra era a sua própria carne, em fatias, a seus pés. Diante de um buffet você deve se debater entre dois sentimentos: a vontade de comer tudo e o remorso por estragar a arquitetura. Depois, é claro, de agradecer à providência por pertencer aos 30% da população que comem e à minoria ainda menor que é convidada a buffets. Pois o buffet também é a apoteose da boca-livre.
Os críticos mais moderados do buffet o comparam a uma linha de montagem, e fazem uma injustiça. A linha de montagem é mais organizada. Ao redor de uma mesa de buffet o ser humano reverte ao seu protótipo mais primitivo: a fera diante do alimento. A patine de civilização se quebra, como o exterior caramelado do presunto, e é cada um por si e pelo seu estômago. Já vi velhos amigos duelarem a empurrões diante de um rosbife, e marido e mulher chegarem aos tapas na disputa do último camarão. Porque a verdade é que o buffet não dá certo. Ele pressupõe um desprendimento com relação à comida que ninguém tem. Embora alguns finjam que têm.
- Vou esperar que os selvagens se sirvam e depois vou até lá - diz ele, sorrindo com desprezo para a horda em volta da mesa.
- Eu, se fosse você, não esperava. 0 bolo de peixe já estava pela metade - avisa alguém.
- Epa - diz ele, e mergulha no meio da horda, usando os cotovelos para abrir caminho.
Mas o buffet é irreversível e o negócio é aprender a conviver com ele. Existem algumas regras de conduta que nos ajudam a sair de um buffet, mesmo o mais concorrido, razoavelmente bem alimentados e sem danos, fora alguns rasgões na roupa. Aprendi com a experiência e tenho as marcas de garfo na mão para provar. Tome nota.
Antes de mais nada, não obedeça a ordens. É comum o anfitrião sugerir, bem-humorado, alguma espécie de hierarquia no acesso ao buffet. Primeiro, as mesas deste lado ou daquele, primeiro os mais velhos, as autoridades, os mutilados de guerra etc. Ignore-o. Seja o primeiro a saltar da mesa, mesmo fora de ordem. O máximo que pode acontecer é você receber olhares feios. 0 que importa isto diante de uma cascata de camarões ainda intocada e da oportunidade de escolher os melhores tomates? Nunca desmereça as vantagens de chegar primeiro.
Estude o terreno - o planejamento é importantíssimo. Ao entrar na festa, examine cuidadosamente o buffet. Resista à tentação de começar a botar camarões no bolso. Isto e apenas um reconhecimento.
Decore a localização dos pratos mais importantes.
Geralmente, há 17 tipos diferentes de salada de batata. Concentre-se numa para não perder tempo depois.
Faça uma anotação mental do melhor acesso à lagosta, se houver. Lembre-se de que dois ou três pedaços de lagosta valem uma travessa de peito de peru em qualquer mercado de valores do mundo. Decida-se por uma estratégia de ataque. Se preciso, estude uma ação diversionista. Na hora de avançar, dirija-se resolutamente para os embutidos e, à última hora, desvie rapidamente para a lagosta, confundindo o inimigo.
Macetes - Com o tempo, você os desenvolverá sozinho. Cada um tem seu estilo. Alguns lembretes, no entanto. Se possível, sirva-se com dois pratos, com o pretexto de que está servindo a sua mulherzinha, ou o seu maridinho, também. Se você realmente está com sua mulher ou seu marido, melhor. Ela ou ele pode fazer o mesmo e dizer que está servindo você. O trabalho em equipe é importante desde que se combine previamente quem ficará com todos os camarões. Atenção: Jamais use a colherzinha que está junto ao pote para servir o caviar se houver uma colher de sopa à mão.
Seja impiedoso - Está bem, ninguém quer ser imoral, mas estamos falando de comida! Se a pessoa à sua frente não se mexe e impede seu acesso aos mexilhões, que desaparecem rapidamente, use o cabo do garfo discretamente entre a última e a penúltima costela. Se não der certo, use a ponta do garfo.
Espalhe o boato de que o leitão no centro é de plástico e só está ali como enfeite. Finja que vai verificar e apalpe todo o leitão com as mãos. Diga coisas como: "Ninguém se mova, acho que caiu uma mosca na vitela tonê. " Pegue todo o prato, dando a entender que vai despejá-lo pela janela. Espirre, distraidamente, em cima dos cogumelos.
Use coação - Geralmente, há um garçom servindo o prato quente. Provavelmente estrogonofe. É comum o garçom carregar no arroz para poupar o estrogonofe. Ao apresentar seu prato, encare-o e diga, com o olhar: "Eu conheço a sua laia, patife. Se me sonegar o estrogonofe, enfiarei a sua cabeça no molho vinagrete até que você morra!". Despeça-se dele dando a entender que voltará em breve e ai dele se disser qualquer coisa como "você por aqui de novo?". No caso de você e outro convidado espetarem o último pedaço de matambre ao mesmo tempo, sorria enquanto lhe aplica um pontapé. É incrível o que se consegue com um sorriso.
Você conseguiu e já está saboreando o prato quente enquanto outros, menos empreendedores, ainda nem chegaram perto dos tomates. Não se desmobilize, no entanto. Lembre-se de que ainda falta a batalha dos doces...
Um dos martírios da vida social moderna é o buffet. Ele nasceu com boas intenções, como resposta à necessidade de alimentar da maneira mais prática o maior número de pessoas com o máximo de elegância possível. Isto é, sem que a festa pareça um rififi no refeitório. É difícil servir 300 ou 400 pessoas nas suas mesas e ao mesmo tempo, à francesa, a não ser que haja quase tantos garçons quanto convidados. A solução, já que a comida não pode ir às pessoas, e as pessoas irem à comida. Outra vantagem do buffet é que, com todos os pratos concentrados sobre uma única e bem ornamentada mesa, ele dá a correta impressão de abundância. Que é, afinal, o que nos leva a festas. Todo buffet é uma alegoria à fartura. Há cascatas de camarões, leitões esquartejados e remontados sobre pedestais de farofa, everestes de maionese, continentes de saladas e de frios. Uma vez, juro, vi um faisão empalhado no centro da mesa, na pose de quem se preparava para decolar deste insensato mundo. Só o que o mantinha na terra era a sua própria carne, em fatias, a seus pés. Diante de um buffet você deve se debater entre dois sentimentos: a vontade de comer tudo e o remorso por estragar a arquitetura. Depois, é claro, de agradecer à providência por pertencer aos 30% da população que comem e à minoria ainda menor que é convidada a buffets. Pois o buffet também é a apoteose da boca-livre.
Os críticos mais moderados do buffet o comparam a uma linha de montagem, e fazem uma injustiça. A linha de montagem é mais organizada. Ao redor de uma mesa de buffet o ser humano reverte ao seu protótipo mais primitivo: a fera diante do alimento. A patine de civilização se quebra, como o exterior caramelado do presunto, e é cada um por si e pelo seu estômago. Já vi velhos amigos duelarem a empurrões diante de um rosbife, e marido e mulher chegarem aos tapas na disputa do último camarão. Porque a verdade é que o buffet não dá certo. Ele pressupõe um desprendimento com relação à comida que ninguém tem. Embora alguns finjam que têm.
- Vou esperar que os selvagens se sirvam e depois vou até lá - diz ele, sorrindo com desprezo para a horda em volta da mesa.
- Eu, se fosse você, não esperava. 0 bolo de peixe já estava pela metade - avisa alguém.
- Epa - diz ele, e mergulha no meio da horda, usando os cotovelos para abrir caminho.
Mas o buffet é irreversível e o negócio é aprender a conviver com ele. Existem algumas regras de conduta que nos ajudam a sair de um buffet, mesmo o mais concorrido, razoavelmente bem alimentados e sem danos, fora alguns rasgões na roupa. Aprendi com a experiência e tenho as marcas de garfo na mão para provar. Tome nota.
Antes de mais nada, não obedeça a ordens. É comum o anfitrião sugerir, bem-humorado, alguma espécie de hierarquia no acesso ao buffet. Primeiro, as mesas deste lado ou daquele, primeiro os mais velhos, as autoridades, os mutilados de guerra etc. Ignore-o. Seja o primeiro a saltar da mesa, mesmo fora de ordem. O máximo que pode acontecer é você receber olhares feios. 0 que importa isto diante de uma cascata de camarões ainda intocada e da oportunidade de escolher os melhores tomates? Nunca desmereça as vantagens de chegar primeiro.
Estude o terreno - o planejamento é importantíssimo. Ao entrar na festa, examine cuidadosamente o buffet. Resista à tentação de começar a botar camarões no bolso. Isto e apenas um reconhecimento.
Decore a localização dos pratos mais importantes.
Geralmente, há 17 tipos diferentes de salada de batata. Concentre-se numa para não perder tempo depois.
Faça uma anotação mental do melhor acesso à lagosta, se houver. Lembre-se de que dois ou três pedaços de lagosta valem uma travessa de peito de peru em qualquer mercado de valores do mundo. Decida-se por uma estratégia de ataque. Se preciso, estude uma ação diversionista. Na hora de avançar, dirija-se resolutamente para os embutidos e, à última hora, desvie rapidamente para a lagosta, confundindo o inimigo.
Macetes - Com o tempo, você os desenvolverá sozinho. Cada um tem seu estilo. Alguns lembretes, no entanto. Se possível, sirva-se com dois pratos, com o pretexto de que está servindo a sua mulherzinha, ou o seu maridinho, também. Se você realmente está com sua mulher ou seu marido, melhor. Ela ou ele pode fazer o mesmo e dizer que está servindo você. O trabalho em equipe é importante desde que se combine previamente quem ficará com todos os camarões. Atenção: Jamais use a colherzinha que está junto ao pote para servir o caviar se houver uma colher de sopa à mão.
Seja impiedoso - Está bem, ninguém quer ser imoral, mas estamos falando de comida! Se a pessoa à sua frente não se mexe e impede seu acesso aos mexilhões, que desaparecem rapidamente, use o cabo do garfo discretamente entre a última e a penúltima costela. Se não der certo, use a ponta do garfo.
Espalhe o boato de que o leitão no centro é de plástico e só está ali como enfeite. Finja que vai verificar e apalpe todo o leitão com as mãos. Diga coisas como: "Ninguém se mova, acho que caiu uma mosca na vitela tonê. " Pegue todo o prato, dando a entender que vai despejá-lo pela janela. Espirre, distraidamente, em cima dos cogumelos.
Use coação - Geralmente, há um garçom servindo o prato quente. Provavelmente estrogonofe. É comum o garçom carregar no arroz para poupar o estrogonofe. Ao apresentar seu prato, encare-o e diga, com o olhar: "Eu conheço a sua laia, patife. Se me sonegar o estrogonofe, enfiarei a sua cabeça no molho vinagrete até que você morra!". Despeça-se dele dando a entender que voltará em breve e ai dele se disser qualquer coisa como "você por aqui de novo?". No caso de você e outro convidado espetarem o último pedaço de matambre ao mesmo tempo, sorria enquanto lhe aplica um pontapé. É incrível o que se consegue com um sorriso.
Você conseguiu e já está saboreando o prato quente enquanto outros, menos empreendedores, ainda nem chegaram perto dos tomates. Não se desmobilize, no entanto. Lembre-se de que ainda falta a batalha dos doces...
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