Pirão, a alma do cozido
Cada país tem um cozido para chamar de seu
Legítimo cozido pernambucano leva carnes verdes, salgadas, embutidos, defumados e todo tipo de legume
Heudes Régis/Jc Imagem
Sem ele, não haveria o pirão. Ou seja, não teríamos aquele que, segundo Gilberto Freyre, é “o mais brasileiro dos pratos”. “Por que um artista brasileiro não se dedica à pintura voluptuosa dos nossos pratos? Há nos pratos brasileiros assunto para uma série deliciosa de pinturas”, discorreu, num artigo dos anos 20, para redundar na afirmação de que a versão tropicalizada da açorda, ou seja, farinha de mandioca cabocla em vez do pão luso de trigo para engrossar o caldo, “é uma glória nacional”.
“O pirão é a alma do cozido”, sintetiza Silvina Moreira, dona do restaurante Tasca, um monumento da cozinha portuguesa em funcionamento há cerca de 30 anos no Recife. Todos os domingos, a casa de Boa Viagem serve um lauto, glorioso e opulento cozido do qual não se sai indiferente. Entre peças de carnes verde e salgadas, embutidos e defumados (alguns bem portugueses, como a morcela e o chouriço, são nada menos que 20 tipos diferentes de proteínas animais). Da porta, se percebem os aromas do bufê montado no primeiro nos salões.
É um cozido situado na fronteira cultural entre Portugal e Pernambuco. “Usamos até o grão-de-bico, como em Portugal, mas seria impossível servir um cozido aqui sem pirão”, diz ela, uma adicta inveterada do prato que, mais que qualquer um, é uma peça clássica da cozinha de aproveitamento.
É um cozido situado na fronteira cultural entre Portugal e Pernambuco. “Usamos até o grão-de-bico, como em Portugal, mas seria impossível servir um cozido aqui sem pirão”, diz ela, uma adicta inveterada do prato que, mais que qualquer um, é uma peça clássica da cozinha de aproveitamento.
O fato é que cada povo tem um cozido opulento para chamar de seu. Mesmo em Portugal, há variações regionais para a mistura de carnes, legumes e caldo que pode ser engrossado com carboidratos (por lá, o pão, resultando na açorda). Geralmente, vários tipos de carnes são mescladas, como a do boi, porco, borrego e da galinha.
No Minho, a receita tem, forçosamente, cortes bovinos, galinha e presunto. O tempero e aromas são enriquecidos com toucinho e chouriço. A receita consta no primeiro livro português de cozinha de que se tem notícia em língua portuguesa: Arte de cozinha (1680), de Domingos Rodrigues.
No Minho, a receita tem, forçosamente, cortes bovinos, galinha e presunto. O tempero e aromas são enriquecidos com toucinho e chouriço. A receita consta no primeiro livro português de cozinha de que se tem notícia em língua portuguesa: Arte de cozinha (1680), de Domingos Rodrigues.
O cozido teria origem remota judaica. Chamado de adafina, é o principal alimento do Sabbath, dia de louvor exclusivo a Deus. Como não se pode trabalhar nesse dia, a receita era feita de véspera. O que, aliás, só registra a crença geral de que o cozido é sempre melhor no dia seguinte.
Não se sabe bem quando, mas a fórmula se disseminou, bem antes da Idade Média, pela Península Ibérica. Com a Inquisição, a inclusão de cortes de porco ganhou força: era uma forma de aparar suspeitas de semitismo.
Em Portugal, a fórmula é empregada também para as bacalhoadas – ou seja, os cozidos de bacalhau. “Esse é o prato obrigatório até hoje nos Natais da minha casa”, diz a restauratrice e empresária Mônica Dias, filha do famoso Armênio Dias, os dois comandantes do Leite.
Em Portugal, a fórmula é empregada também para as bacalhoadas – ou seja, os cozidos de bacalhau. “Esse é o prato obrigatório até hoje nos Natais da minha casa”, diz a restauratrice e empresária Mônica Dias, filha do famoso Armênio Dias, os dois comandantes do Leite.
Na casa mais que clássica do Recife, a bacalhoada aparece como sugestão do cardápio ou pode ser feita com reserva. “Todos os anos, a família se reúne na expectativa do prato”, diz ela, contando que o pai, com o tempo, fez concessão ao brasileiríssimo pirão, ausente nos primeiros Natais familiares. “É uma coisa da cultura da gente, não tem como não ter. Eu sou louca por um: deixo de comer qualquer coisa por um bom pirão”, diz Mônica.
A água em que o bacalhau e os legumes são cozidos também é usada para a confecção do pirão. Na Espanha, cozidos como o cocido madrileño são semelhantes aos portugueses, marcados por defumados intensos. Na Itália, o cozido nacional leva também língua, além de porco, galinha e boi, incluindo vitela.
A água em que o bacalhau e os legumes são cozidos também é usada para a confecção do pirão. Na Espanha, cozidos como o cocido madrileño são semelhantes aos portugueses, marcados por defumados intensos. Na Itália, o cozido nacional leva também língua, além de porco, galinha e boi, incluindo vitela.
Na França, o mais clássico é o pot au feu: carne de boi cenoura, nabo, alho-poró, cerefólio, couve, cravo e cebola, adornados com tutano. Também clássico da cozinha dos bistrôs é o lento guisado que se chama navarin de cordeiro. “É um prato de muita concentração de sabores e aromas, porque tem cocção muito lenta e reduções”, diz o restauranteur Nicola Sultanun, dono do Mingus, em Boa Viagem, QG da cozinha clássica franco-italiana.
Aos domingos, o cozido de cordeiro costuma aparecer como sugestão nos cardápios de “cozinha doméstica” francesa. Mas sob os rigores tecnológicos da alta gastronomia contemporânea: feito em forno combinado com cocção por horas a fio. “Em casa, pode cozinhar bem lentamente”, sugere.
Aos domingos, o cozido de cordeiro costuma aparecer como sugestão nos cardápios de “cozinha doméstica” francesa. Mas sob os rigores tecnológicos da alta gastronomia contemporânea: feito em forno combinado com cocção por horas a fio. “Em casa, pode cozinhar bem lentamente”, sugere.
Coletivista, celebrativo, o cozido é por si só uma festa. Mas não precisa aparecer apenas quando a família ou os amigos estão reunidos. “O cozido era o prato da minha casa toda quarta-feira. E está na memória afetiva de muitos dos meus clientes e amigos”, diz a arquiteta e chef Madá Albuquerque, No seu Just Madá, o cozido virou a peça de resistência das sextas-feiras.
Não como o conhecemos. Mas um cozido estetizado, aromas e sabores muito cativantes, de uma delicadeza comovente: carnes e vegetais, ovo (de codorna) e um pirão delicado abastecido num ramequim com uma colher torta que mais parece sua alça. Servido individualmente, empratado, como na liturgia gastronômica contemporânea. “Minha clientela já não tem empregada doméstica ou família grande para fazer um cozido tradicional. Mas se emociona quando pode chegar e comer, sozinha, seu prato”, diz ela, ajudando, à sua maneira, o cozido a se integrar aos novos tempos.
INGREDIENTES:
01 KG DE CHARQUE
01 KG DE COSTELA DE BOI
01 KG DE MÚSCULO DE BOI
01 KG DE PEITO DE BOI
SAL A GOSTO
PIMENTA DO REINO A GOSTO
02 CABEÇAS DE ALHO DESCASCADAS
02 MAÇOS DE COENTRO
04 PIMENTÕES
01 KG DE TOMATE MADURO
01 KG DE POLPA DE TOMATE
1/2 CEBOLA
02 ESPIGAS DE MILHO
½ DE BATATA INGLESA
½ DE BATATA DOCE
½ KG DE JERIMUM
06 BANANAS CUMPRIDA
QUIABOS E MAXIXES A GOSTO
01 REPOLHO PEQUENO
02 MAÇOS DE COUVE
01 CENOURA GRANDE
01 CHUCHU GRANDE
FARINHA DE MANDIOCA PARA O PIRÃO
MODO DE PREPARO
DESSALGUE A CHARQUE DE MOLHO EM ÁGUA 1 DIA ANTES DE COMEÇAR A RECEITA, PARA DESSALGAR. CORTE AS CARNES EM CUBOS GRANDES E COLOQUE-AS EM UM CALDEIRÃO AO FOGO MÉDIO, TEMPERADAS COM SAL E PIMENTA. ACRESCENTE O ALHO, O COENTRO, A CEBOLINHA, O PIMENTÃO, A POLPA DE TOMATE, OS TOMATES E A CEBOLA. REFOGUE BEM, PARA O TEMPERO PENETRAR NA CARNE. ADICIONE ÁGUA FERVENDO ATÉ COBRIR TUDO, MANTENDO A FERVURA ATÉ COZINHAR. JUNTE OS LEGUMES JÁ LIMPOS. DEIXE COZINHAR ATÉ FICAREM MACIOS. SEPARE O CALDO E FAÇA UM PIRÃO, MISTURANDO COM FARINHA DE MANDIOCA. SIRVA AS CARNES E OS LEGUMES EM UMA TRAVESSA SEPARADA.
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