domingo, 21 de outubro de 2012

Roberta Sudbrack



Roberta Sudbrack    

Parabéns por sua vida, sua história...       



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O Manifesto do Cozinheiro - Por Roberta Sudbrack

Ser cozinheiro é enxergar a vida - a vida inteira - com os olhos curiosos da descoberta. Tudo é novo? Espera aí, mas isso eu já vi em algum lugar! Sim e não. Viu, mas não viu. E se viu, ora, que diferença faz? Tudo pode ser novo de novo para o cozinheiro. Sobretudo o velho! E como pode ser surpreendente quando observado com olhos curiosos. Tudo é motivo para ver de novo. Tudo é motivo para acreditar que qualquer coisa é possível. Qualquer espessura é alcançável. Qualquer ingrediente é maleável. Qualquer sabor é conhecido. Ou não? E se não for, melhor ainda. Mãos à obra e mente aberta, você é cozinheiro!

A nossa vida começa a ser reescrita todos os dias junto com o mise en place. É sempre um novo capítulo e um parágrafo mais interessante do que o anterior. Outra história a ser vivida, dividida e sofrida... Como sofremos. Sofremos fisicamente e essa parte não varia. No pacote estão incluídas as bolachinhas inteiras e as que perderam o recheio também. É pegar ou largar! Sofremos emocionalmente. Profundamente! A entrega não é uma escolha, é um fundamento. Ser cozinheiro é entregar a vida diariamente à missão de servir e sonhar.

Sonhamos com sorrisos, gargalhadas, tilintares de copos e na melhor das hipóteses uma lágrima. De alegria. De recordação. Uma lembrança. Um sorriso calado. Servimos diariamente com a convicção de quem decidiu que assim seria. Entramos pela porta dos fundos e usamos o banheiro da área de serviço. Estamos a serviço, ora! Somos felizes, muito felizes. Não conheço um cozinheiro triste. Conheço pessoas que imaginam ser cozinheiro e são tristes. Claramente porque não são.

Servir, essa não é uma tarefa para qualquer um. Requer delicadeza, humildade, destreza. Estamos sempre um passo atrás dos ingredientes, somos apenas os instrumentos encarregados da sua expressão momentânea. Estamos um passo atrás de você. Fazemos reverência a sua presença, vibramos com ela, sonhamos com ela diariamente. Vivemos na expectativa de acolher. Servimos sonhos na expectativa de colher sorrisos.

E quando uma noite acaba, quando o corpo se arrasta pela cozinha, aqueles mesmos olhos curiosos agora estão baixos e os batimentos cardíacos começam a voltar a um nível com o qual não sabemos conviver. Começamos imediatamente a pensar no mise en place de amanhã! Ele é a certeza de que a nossa história é como a dos balões: tem sempre um lugar de partida, de chegada jamais!

"Servir, essa não é uma tarefa para qualquer um. Requer delicadeza, humildade, destreza. "



A mulher que ficou famosa por inaugurar o cargo de chef de cozinha do Palácio da Alvorada, nos fala de sua trajetória e da importância da matéria-prima em sua cozinha
 
Ela queria ser veterinária. Criada em Brasília, gaúcha de nascimento e carioca de coração, a moça juntou dinheiro vendendo cachorro quente e voou para os EUA em busca do seu sonho. Mal sabia ela que seu destino estava traçado e que quando a maré muda pode ser para valer. Como toda pessoa inteligente, ela se deixou ser levada pela vida, mas manteve o pulso firme e não se dispersou do seu mais novo objetivo: cozinhar, cozinhar, cozinhar. Com obstinação, garra e talento subiu degrau por degrau até se tornar uma das maiores chefs do Brasil. A paixão pelos animais continua, mas a satisfação de transformar almas através de seus pratos falou mais alto. Com vocês, Roberta Sudbrack.

Você começou sua carreira com um trailer de cachorro-quente em Brasília. Conte-nos um pouco da sua experiência nesta fase.
  • Na verdade comecei com uma carrocinha daquelas que a gente empurra ladeira abaixo. O trailer veio depois, com o sucesso do negócio. Foi um momento difícil na minha vida e também de muito aprendizado. Ao invés de colocar a mão na cara e chorar, como diz a minha avó, resolvi arregaçar as mangas e cozinhar. Eu enlouquecia o padeiro para chegar ao ponto exato do pão que eu desejava, checava a textura, a maciez e comprava duas fornadas por dia. A salsicha era artesanal e confeccionada especialmente para mim em uma pequena fábrica no interior do Rio Grande do Sul. E o molho era preparado todos os dias pela minha avó com tomates frescos que eu comprava de madrugada no entreposto de Brasília. Fazíamos já naquela época uma cozinha extremamente fresca e artesanal.
 
O que você trouxe desta época para sua a cozinha que faz hoje?
  • O cuidado com os detalhes, com a qualidade e a procedência da matéria-prima e a convicção de que o artesanato é indispensável na gastronomia, pelo menos na minha.
 
Fale um pouco da sua trajetória desde esse período até assumir a cozinha do Palácio do Planalto.
  • Depois de um tempo vendendo cachorro quente resolvi que era hora de voltar a estudar. O negócio do cachorro-quente foi um sucesso e me possibilitou juntar dinheiro para viajar para os USA e cursar a faculdade de veterinária que até então eu imaginava ser o meu sonho. Nessa época fui morar sozinha e tive que aprender a cozinhar para mim mesma. No primeiro dia em que toquei um ingrediente foi definitivo. Descobri finalmente o que tinha vindo fazer no mundo! A partir daí a minha obstinação falou mais alto e eu decidi que custasse o que custasse eu seria uma cozinheira.
 
 
Qual foi o seu maior medo quando recebeu o convite para comandar a cozinha da Presidência da República?
  • Nenhum. Eu tinha certeza de que seria um trabalho difícil, mas absolutamente grandioso. Precisamos diariamente do desafio para estar sempre nos superando e buscando o impossível e a magnitude das coisas.
 
Você pode levar sua equipe para trabalhar no Palácio com você?
  • Ninguém! Só consegui autorização para levar as minhas facas!
 
Como foi isso?
  • Na verdade era a primeira vez na história do Brasil que a residência do Presidente da República teria a figura do chef de cozinha. Era tudo muito novo, todo mundo tinha muito receio. Menos eu.
 
Você sentiu algum preconceito da brigada pelo fato de ter uma mulher no comando?
  • É claro que não foi das tarefas mais fáceis, mas foi um desafio muito interessante. Aprendi muito com a disciplina e a hierarquia dos militares, que afinal são fundamentais numa brigada de cozinha. Sempre fui respeitada e me fiz respeitar também, porque sem o respeito não se lidera. Eles tiveram que reaprender o bê-á-bá da cozinha, desde o arroz com feijão até o confit de pato, técnica que eles nunca tinham ouvido falar. Mas quando os resultados, não só da capacitação técnica da brigada, mas da organização, do controle da cozinha e da própria repercussão do trabalho começaram a aparecer, foi muito gratificante para todos nós.
 
Como é ser autodidata num momento em que as escolas de gastronomia pipocam Brasil e mundo afora?
  • O autodidatismo não é o caminho mais fácil, requer muito mais determinação e paciência. No meu caso eu não tive escolha, porque simplesmente não tinha condições de pagar um curso técnico. Mas hoje quando me perguntam sobre isso eu só tenho uma opinião: é claro que o melhor caminho é o das escolas. Apesar disso, acredito que ainda possamos melhorar muito o nível dessa discussão e aprimorar essas etapas se os chefs e as faculdades trabalharem mais próximos. Às vezes eu tenho um estagiário de nível superior na minha cozinha que não sabe nem para onde corre na hora do serviço e no terceiro dia ele já está se questionando se é aquilo mesmo o que ele quer da vida. Claro, o que venderam para ele foi um conto de fadas e a realidade é bem diferente.

    Como desenvolveu sua técnica de trabalho?

      Quando eu decidi que era na cozinha que eu queria passar o resto da minha vida, tracei estratégias para conseguir alcançar esse ideal. Mesmo sem saber se iria dar certo, essa é a grande dica para não se abandonar um sonho. Não sabia exatamente por onde começar, mas não tinha dinheiro para pagar um curso técnico. Comecei então a escrever para várias escolas de culinária e pedir o programa de treinamento delas. Depois disso criei o meu programa com base nos dados que recebi. Se ali dizia que num determinado dia da semana os alunos passariam duas horas cortando verduras e legumes para ganhar agilidade com as facas, eu passava seis! Assim eu passei pelo menos três anos trancada na minha cozinha enfrentando uma rotina pesada de prática e aprimoramento de coisas que eu nunca havia tido contato na vida. É um caminho mais longo e por isso mesmo tem que ser trilhado com muita mais persistência e determinação.
      gastronomiaeufacogostoso.blogspot.com.br




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